VOTO N.°: 17764
APEL.N0
: 994.09.339036-2 [ANTIGO N° 651.030.4-4]
COMARCA: COMARCA DE TATUÍ/FORO DISTRITAL DE PORANGABA
APELANTE: EZEQUIEL BATISTA DE ALMEIDA
APELADA: JULIANA RAMALHO DA SILVA [MENOR IMPÚBERE REP. POR
SUA GENITORA VERA LÚCIA ALVES CARRIEL]
Dano moral – Menor vítima de atentado violento ao pudor – Perturbação psíquica atual e que pode ainda emergir – Dano à dignidade da pessoa humana configurado – Indenização devida – Não provimento.
Vistos.
JULIANA RAMALHO DA SILVA ingressou com ação de indenização por ato ilícito, que, emendada, foi recebida pela MM. Magistrada de o grau como processo de liquidação de sentença, tendo o mesmo, por base,
sentença criminal transitada em julgado na qual o apelante fora condenado pelo crime de atentado violento ao pudor praticado contra a apelada, que contava, à época, com 3 (três) anos de idade.
Aduz a apelada na peça exordial que, em virtude do crime supracitado contra ela cometido, sofreu e sofre inúmeros prejuízos de ordem moral, em razão dos quais requer seja-lhe atribuída indenização no valor de R$ 40.000,00. O réu foi citado e apresentou contestação às fls. 35/44. Houve réplica (fls. 46/49), audiência de instrução e julgamento com oitiva de testemunhas (fls. 109/119) e apresentação de memoriais (fls. 122/137). A D.magistrada julgou a ação procedente, em parte, para condenar o réu a
indenizar a autora em R$ 20.000,00. Apelou o réu às fls. 162, com as argumentações de que não restou comprovado o dano e de que o requerido não foi sequer citado a manifestar-se sobre os termos da inicial. Contrarrazões às fls. 218.
É o relatório.
De proêmio, anoto que não há de se falar em nulidade processual por conta de não haver tido, conforme menciona o apelante, citação para os termos da emenda à inicial, já que o requerimento de emenda,
acostado aos autos nas fls. 21, fora protocolizado em fevereiro de 2006, sendo certo que a citação e apresentação de resposta aconteceram posteriormente (fls. 33 e 35, respectivamente) quando o apelante e seu procurador já poderiam, de pronto, manifestar-se acerca dos termos da exordial já emendada. Trata-se, in casu, da aplicação, correta frise-se, pela digna Magistrada, dos princípios da celeridade processual – que passou ao rol dos direitos fundamentais com a Emenda Constitucional n.° 45/04 – e da instrumentalidade das formas.
Andou bem a r. sentença monocrática em reconhecer o dano moral sofrido pela autora da presente demanda, não havendo como reconhecer que, no caso dos autos, não houve qualquer sorte de abalo moral relativamente à menor impúbere, por mais tenra que fosse sua idade na ocasião. Os menores, como os incapazes em geral, são titulares de patrimônios dignos de tutela, inclusive são legitimados a reivindicarem danos morais (MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro – 7. Responsabilidade
Civil, 23° edição, Saraiva, 2009, p. 211 e J. MOSSET ITURRASPE, Responsabilidad por danos, Buenos Aires, Ediar, tomo IV, 1986, p. 218). Não custa recordar que o colendo STJ referendou indenização de R$ 700.000,00 para compensar, incluindo dano psicológico, menor impúbere que sofreu atentado violento ao pudor por funcionário público estadual (Resp. 1141429 SP, DJ de 5.10.2009, Ministro CASTRO MEIRA).
Tal é, ainda, o entendimento da mais recente jurisprudência do Colendo STJ. Em acórdão publicado em 05.03.2010, da relatoria da Ilustre Ministra Nancy Andrighi, decidiu a Corte pela aplicação de indenização por danos morais em favor de menor que conta com três anos de idade, já que, embora a pessoa em tão tenra idade tenha uma visão diferente de mundo, tem também, a salvo, os consagrados direitos da personalidade. Vejamos:
“DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RECUSA DE CLÍNICA CONVENIADA A PLANO DE SAÚDE EM REALIZAR EXAMES RADIOLÓGICOS. DANO MORAL. EXISTÊNCIA. VÍTIMA MENOR.IRRELEVÂNCIA. OFENSA A DIREITO DA PERSONALIDADE.
– A recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele. Precedentes – As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5o , X, in fine, da CF e 12, caput, do CC/02.
– Mesmo quando o prejuízo impingido ao menor decorre de uma relação de consumo, o CDC, em seu art. 6o
, VI, assegura a efetiva reparação do dano, sem fazer qualquer distinção quanto à condição do
consumidor, notadamente sua idade. Ao contrário, o art. 7o da Lei n° 8.078/90 fixa o chamado diálogo de fontes, segundo o qual sempre que uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato
da relação de consumo.
– Ainda que tenha uma percepção diferente do mundo e uma maneira peculiar de se expressar, a criança não permanece alheia à realidade que a cerca, estando igualmente sujeita a sentimentos como o medo,
a aflição e a angústia.
– Na hipótese específica dos autos, não cabe dúvida de que a recorrente, então com apenas três anos de idade, foi submetida a elevada carga emocional. Mesmo sem noção exata do que se passava, é certo que
percebeu e compartilhou da agonia de sua mãe tentando, por diversas vezes,sem êxito, conseguir que sua filha fosse atendida por clínica credenciada ao seu plano de saúde, que reiteradas vezes se recusou a realizar os exames que ofereceriam um diagnóstico preciso da doença que acometia a criança. Recurso
especial provido. (REsp 1037759 – RJ 2008/0051031-5 – Relatora Ministra Nancy Andrighi, D.J. de 05.03.2010).
Assim, diferentemente do quanto alegado pelo apelante, o abalo moral sofrido pela menor é presumido, ainda que não tenha a apelada, por conta da inocência própria da idade que tinha na época, total consciência dos fatos danosos pelos quais passou.
Cumpre salientar, ainda, que, conforme cediço, os danos aos direitos da personalidade da apelada podem se manifestar da mais variadas formas, conforme relatado nos autos. Ainda que se alegue que a
menor impúbere não tenha sido substancialmente afetada pelos atos contra si praticados no estágio atual de sua vida, haverá sempre a hipótese de tais lembranças nefastas revisitarem sua alma, trazendo conseqüências ainda não demonstradas.
Além do mais, os testemunhos constantes dos autos mencionam, repetidamente, o pavor e o descontrole da apelada relativamente ao apelante. Nessa linha de raciocínio, ainda, imperiosa a menção de que o
Instituto de Criminalística comprovou a presença de líquido seminal na peça íntima da apelada que foi levada à análise (fls. 12), o que autoriza transcrever trecho da obra da doutrina portuguesa (ARMANDO BRAGA, A reparação do dano corporal na responsabilidade extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005, p.
85):
“O abuso sexual de crianças também é susceptível de causas efeitos pós-traumáticos configuráveis como dano psíquico. De notar que a pedofília é ela própria considerada uma perturbação psíquica, constando do
elenco do DSM IV, situando-se no âmbito das parafíiias, ao lado do exibicionismo, fetichismo, masoquismo sexual, sadismo sexual, fetichismo travestido e voyeurismo”.
Nota-se, ainda, a alegação do apelado no sentido de que a menor, à época, poderia ter encarado os fatos como forma de carinho, além de mencionar que a criança na sua inocência, entendeu estar sendo tratada com afeto, devido às carícias (sic) (fls. 167). Ora, ao mesmo tempo em que alega falta de prova dos danos causados à menor, praticamente confessa que houve carícias, mas que estas foram encaradas pela apelada como forma de afeto, comprovando que autora e réu tiveram contato, ainda que breve.
Outro argumento do apelado que deve ser rechaçado é aquele segundo o qual a r. sentença contraria o laudo acostado aos autos. Ora, é indiscutível a possibilidade de o magistrado elaborar sentença que não confirma todos os termos da prova pericial, desde que apoiado em outras provas trazidas aos autos, como as declarações de testemunhas e o exame do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo.
Ademais, anota-se que é tendência da jurisprudência contemporânea a aplicação de indenizações por dano moral não para compensarem a dor sentida pela vítima, o que não se afigura fenomenicamente possível, mas para que se desestimulem determinadas atitudes que carregam em si, indiscutivelmente, ofensa à dignidade da pessoa humana, como no caso dos autos.
Por fim, anota-se que, para o ressarcimento do dano moral, nos termos do art. 5o V e X, da CF e art. 186 do CC/02, não exige alteração do comportamento do lesado, com o que se conclui pela fragilidade dos
argumentos trazidos à baila pelo apelante.
Nega-se provimento.
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