O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E SEU DIREITO DE MANIFESTAÇÃO

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RESUMO: Dados coletados em audiências públicas de comissões de Poderes Legislativos municipais e estaduais noticiam que número expressivo de crianças e adolescentes são vitimas de violações de direitos por familiares
biológicos. Aprofundada a investigação, constata-se que, além de sofrer violações físicas e psíquicas, pelos primeiros responsáveis por sua proteção e bem-estar, aqueles sujeitos de direito, em peculiar condição de desenvolvimento, com frequência são impedidos de buscar apoio e auxílio externo para suas dores. Avançando-se nas investigações, aparece que as violações de seus direitos são promovidas também pelo poder judiciário e
pela defensoria pública. As violações de seus direitos constitucionais pelo poder judiciário se configuram quando o Conselho Tutelar apresenta vítimas de abandono, negligência ou violência sexual ao juiz da vara da infância e juventude do setor civil, e este, sem ouvi-las determina sua entrega a casas de acolhimento.
Já a Defensoria Pública, instituição permanente e indispensável à função jurisdicional do Estado, incumbida da orientação jurídica e da defesa,
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita se omite na prestação jurisdicional, e
custos vulnerabilis, perante o Poder Judiciário.
A fim de sanar tais mazelas, importa comunicar aos sujeitos que atuam no sistema jurídico de proteção da criança e adolescente reformem suas atuações.

1 | INTRODUÇÃO
O direito, em sua origem, foi concebido com o propósito de servir como
instrumento gerador de equilíbrio nas relações sociais, de harmonizar a vida individual e coletiva, incluindo a vida de criança e adolescente. Tal entendimento está firmado na Constituição Federal brasileira, cabeça do sistema jurídico nacional, que tem por princípio fundamental a defesa da dignidade da pessoa humana. Cabe destacar que a criança e o adolescente vulneráveis, em idade cronológica de zero a dezoito anos, foram incluídos na Carta Magna de 1988, pela primeira vez na história do Brasil, em igualdade de direito com todos os demais sujeitos protegidos pela Lei Maior, tal como
se lê em seu artigo 227:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Se por um lado, o texto jurídico cria a possibilidade de se construírem relações sociais pacíficas e harmônicas, promovendo a formação de cidadania emancipatória de cada nascituro – afirmando seu pertencimento à sociedade, seu direito à convivência familiar e à liberdade de manifestação -, em sentido oposto, reiteradas violações dos direitos de criança e adolescente são consumadas por seus próprios familiares, e até mesmo pelo judiciário e pela Defensoria Pública, restando visível o elo causal entre agressões sofridas e comportamentos violentos, apáticos ou desinteressados por parte das vítimas entregues a instituições de atendimento, escolas e espaços públicos. Justifica-se, pois, noticiar amplamente tais ocorrências às autoridades e à
sociedade em geral.
Contribuir com esse propósito é o objetivo principal deste artigo. Para tanto,
este estudo irá, em primeiro lugar, caracterizar os maus-tratos infligidos a criança e adolescente por familiares desconhecedores de direitos e que impedem a vítima de buscar auxílio externo. A seguir, tratará da privação do direito de manifestação própria de criança e adolescente em audiências nas varas da infância e juventude, onde seu destino é decidido ignorando-se seus desejos mais elementares. O passo seguinte será mostrar que, ao deixar de desempenhar o papel de custos vulnerabilidade em casos que envolvem criança e adolescente privados de seus direitos, os defensores públicos incorrem em grave omissão na proteção judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de sujeitos de direito em peculiar condição de desenvolvimento.
A metodologia utilizada foi a investigação documental – única permitida pelo
judiciário brasileiro nessa temática. Para tanto, foram utilizados como fonte de informação, os documentos publicados no Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (site https://www.cnj.jus.br/cnca/publico), onde é possível averiguar que o poder judiciário mantém institucionalizadas, invisíveis para a sociedade, um número considerável de crianças e adolescentes.

2 | MAUS-TRATOS PRATICADOS POR DESCONHECIMENTO DE DIREITOS E
IMPEDIMENTO DA BUSCA POR AUXÍLIO EXTERNO

A incapacidade dos adultos responsáveis pela proteção e defesa de direitos
e interesses individuais e coletivos do sujeito, criança e adolescente, não fica cristalizada no tempo passado. Por um lado, o tempo confirma que o direito é dinâmico e, assim sendo, criança e adolescente deixaram há tempos de ser vistos como meros apêndices de suas famílias, onde parecia natural sofrerem restrições à manifestação de seus desejos, serem impedidas de participar nas decisões familiares, e, por fim, de buscar auxílio externo para suas dores físicas e psíquicas, causadas por abandono, negligência, maus-tratos e abuso sexual no seio do seu próprio núcleo familiar. Ainda, são freqüentes os casos de violação dos direitos humanos de sujeitos vulneráveis praticados, possivelmente devido a desconhecimento, por familiares biológicos – primeiros responsáveis pela proteção dos direitos e interesses individuais
e coletivos de criança e adolescente. Os maus-tratos, abuso sexual, castigos físicos e psíquicos sofridos no âmbito de suas próprias famílias são agravados pelo recorrente impedimento de as vítimas buscarem o auxílio externo assegurado pela Lei Federal número 8.069/90.
Quando possível superar tal impedimento, recorre-se, via de regra, às instituições do sistema de justiça brasileiro no exercício de suas competências funcionais: o Poder Judiciário, o Ministério Público, o advogado ou o defensor público para, em conjunto, resolverem-se os conflitos familiares.
Nesse sentido, o fazer dessas instituições deveria objetivar, com prioridade
absoluta, a sanação das violações dos direitos familiares, assegurando-se as
garantias constitucionais e processuais às vítimas, tais como se lê na Carta Magna Brasileira de 1988, que reza: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país assegurando-lhes a inviolabilidade do direito á vida, á liberdade, á igualdade, á segurança (…)”.
Entretanto, como se verá a seguir, em casos que envolvem vítimas criança e
adolescente, tal preceito costuma não ser levado em consideração, em especial nas audiências das varas da infância e da juventude.

3 | PRIVAÇÃO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE CRIANÇA E
ADOLESCENTE SOBRE SUA VONTADE DE PERMANECER COM A MÃE OU
FAMÍLIA EXTENSA

Os processos judiciais decorrentes de ameaça ou violação de direitos da Criança e do Adolescente têm peculiaridades, tais como: necessidade de avaliação social da família biológica ou extensa; avaliação de saúde física e psíquica dos sujeitos, com acompanhamento técnico multidisciplinar; temporalidade provisória de permanência em abrigos; acompanhamento de necessidades de atendimento especializado na área da saúde; preservação de frequência à escola; restrição a sua liberdade de ir e vir; inclusão em cursos de arte, música, lazer; direito a brincar, divertir-se, à convivência
familiar; e comunitária e, por fim, mas não menos importante, direito a manifestação e expressão de seus desejos.
Entretanto, no âmbito de audiências em varas da infância e juventude, a
costumeira prática o procedimento administrativo de jurisdição voluntária, acarreta falta de proteção jurídica integral à criança e ao adolescente, posto que, em lhes sendo negado o direito de manifestarem seus desejos e, consequentemente, de participarem da construção de sua cidadania emancipatória, são-lhes sumariamente negados seus direitos à liberdade, à ampla defesa e ao contraditório.
O procedimento administrativo de jurisdição voluntária, praticado nas varas da
infância e da juventude, facilita a apreensão e a condução coercitiva de vulnerável a abrigos, configurando-se como tutela de direitos subjetivos e individuais. O procedimento da jurisdição voluntária data de uma época em que não existia contraditório nas relações administrativas e representa flagrante afronta ao devido processo legal na forma em que foi assegurado expressamente pela Constituição de 1988, no artigo 5º.
A jurisdição voluntária é uma atividade puramente administrativa em que não há
ação nem partes, há somente “interessados”. As decisões ali emitidas não produzem coisa julgada material, apenas preclusão. O interessado “menor“ é considerado incapaz, visto como objeto tutelado. Nesse procedimento, o juiz determina o afastamento da Criança e do Adolescente de sua família biológica e seu internamento compulsório em abrigos institucionais, por tempo indeterminado. Em verdade, tais medidas administrativas configuram-se como sanções disfarçadas de benesses que prometem proteção e recuperação da Criança e do Adolescente.

4 | OMISSÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA EM PRESTAR A PROTEÇÃO
JURÍDICA DEVIDA AOS SUJEITOS DE DIREITOS, CRIANÇA E ADOLESCENTE
VULNERÁVEIS

A violação dos direitos humanos de sujeitos vulneráveis praticados pela
Defensoria Pública que, mesmo sendo constitucionalmente responsável pela
proteção judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, omite-se ao não exigir do juiz de direito a intimação de defensor público que represente criança e adolescente, a fim de garantir às vítimas seu direito à liberdade de manifestação.
Em verdade, as formas jurídicas não se alteram automaticamente ao sabor de
todas ou de qualquer alteração do poder político, social, cultural e civilizatório. O pensamento jurídico precisa atuar deliberadamente na direção de uma reorientação necessária e operatória para a sociedade, o Estado e o comportamento dos homens, alcançando-lhes decisões compatíveis com os fatos novos e os novos entendimentos (Maria Dinair, 202, pg. 46).
A situação de pobreza de criança e adolescente representa importante elemento
de restrição da prestação jurisdicional. A veracidade das informações trazidas pela polícia, pelo Conselho Tutelar, pela escola, pela equipe técnica aos autos do devido processo legal exige a utilização de recursos adequados à instância superior, sempre que qualquer decisão seja desfavorável ao superior interesse da Criança e do Adolescente.
É nesse sentido que a Defensoria Pública faz-se “essencial à função Jurisdicional do Estado (…) e à defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal”.
A Defensoria Pública, na área da infância e juventude, deve ter como linha
condutora de suas ações legais a necessidade de ruptura ou de corte epistemológico com todos os conceitos históricos que construíram a figura do advogado tradicional, carregado de individualismo, enclausurado em seu saber e, apenas formalmente, próximo do sujeito representado.
O defensor público precisa atuar de forma compatível com as exigências do seu
tempo, em vista de procedimentos arcaicos que ameaçam ou violam os direitos da
Criança e do Adolescente na área do direito civil das varas da infância e juventude.
Nesse sentido, é indispensável reconhecer as peculiaridades materiais e processuais essenciais que devem ser observadas, como já se apontou acima.
Acrescente-se à atuação da Defensoria Pública a responsabilidade de intervir em situações que exigem atuação de custos vulnerabilis. Enquanto o Ministério Público atua como custos legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), por ser “guardiã dos vulneráveis”, a Defensoria Pública deve atuar processualmente não apenas como representante da parte em juízo, mas, também, em especial no caso de vulneráveis, em nome próprio enquanto protetora dos interesses dos necessitados em geral.
Cabe esclarecer que, no pertinente ao papel da Defensoria Pública como
custos vulnerabilis da criança e adolescente, a Lei Federal nº 8.069/90, assegura a intervenção em seu artigo 141: “É garantido o acesso de toda criança e adolescente à Defensoria Pública (…).”
Reforçando essa proteção legislativa brasileira, a Convenção Internacional dos
Direitos da Criança, aprovada pela Resolução 44/25 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, na qual o Brasil consta como signatário, está escrito:

12.1 – Os Estados signatários devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos a ela relacionados, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança.
12.2- Com tal propósito, proporcionar-se-á à criança, a oportunidade de participar e ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que a afete, seja diretamente, seja por intermédio de um representante (advogado próprio) ou outro profissional apropriado (profissionais da psicologia, psiquiatria) em conformidade com as regras processuais de legislação nacional.
Esses dispositivos contemplam a proteção especial ao cidadão vulnerável em
termos de prioridade absoluta e inverte o enfoque da legislação anterior e revogada que priorizava o interesse e a vontade dos adultos.

5 | PROPOSIÇÕES PARA SUPERAÇÃO DAS VIOLAÇÕES APONTADAS

Pretendeu-se com este trabalho, demonstrar a necessidade de se promoverem
urgentes mudanças nos comportamentos e atitudes dos responsáveis pela condução
dos processos judiciais envolvendo criança e adolescente, sob pena de se perpetuarem práticas que realimentam as cadeias de violação a que estão cotidianamente submetidas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Na medida em que resta explicita a urgência de uma reformulação das ações
dos sujeitos atuantes na área dos direitos da criança e adolescente falta, no contexto da sociedade civil organizada, difundirem-se as informações disponíveis a respeito das formas e a freqüência das violações de direitos humanos de sujeitos vulneráveis pela família biológica, e aprofundar o conhecimento do marco legislativo trazido pela Carta Magna de 1988, que prioriza o melhor interesse de criança e adolescente, seu direito de manifestação, de opinião e de participação na construção de sua cidadania
emancipatória.
Impõe-se, nesse mesmo sentido, ao judiciário a necessidade premente de os juízes de direito abandonarem o procedimento administrativo de jurisdição voluntária, caracterizado pela ausência de proteção jurídica, configurada pela ausência de advogado próprio, ou defensor público, de criança e adolescente. Não sendo revogada, a manutenção desta prática historicamente superada continuará privando as vítimas do seu direito de manifestação, acabando inapelavelmente tais sujeitos sendo entregues a casas de acolhimento, onde, invisíveis aos olhos da sociedade, podem alcançar a maioridade. Enquanto sobre o poder público, em sua totalidade, recai a responsabilidade de atender às necessidades das famílias biológicas em estado de vulnerabilidade, ao judiciário, em particular, cabe substituir o procedimento administrativo da jurisdição voluntária pelo devido processo legal, como exigência para se esclarecer a verdadeira situação de cada criança e de cada adolescente no
seio de suas famílias e comunidades, permitindo que se produzam o contraditório e a ampla defesa em seus julgamentos.
Por seu turno, cabe à Defensoria Pública exigir, perante o judiciário, o
reconhecimento, em todos os graus, do seu papel de proteção e defesa dos
necessitados na relação jurídica, a fim de se garantir e resguardar a igualdade entre as partes nos processos judiciais.

6 | CONCLUSÃO

A negação de assistência financeira, social e psicológica às famílias em
vulnerabilidade, apontadas, nas demandas judiciais que tramitam no setor civil das varas da infância e juventude, como sendo as principais causas por maus-tratos de seus filhos, expõe nitidamente o descaso com que o Estado encara as extremas diferenças sociais brasileiras, revelando uma verdadeira cadeia de violações dos direitos humanos.
Inadmissível que, em plena vigência de um sistema de justiça democrático –
que tem em seu centro o princípio da dignidade da pessoa humana e da defesa de
direitos e garantias constitucionais – crianças e adolescentes permaneçam privados de liberdade de expressão e da proteção jurídica que a lei lhes assegura, ainda mais quando tais sujeitos são titulares do direito a proteção integral, em prioridade absoluta e, como sujeitos de direito, são detentores do direito a representação de defensor público em seu papel incontornável de custos vulnerabilis.
O acompanhamento, por defensor público, da vida de criança e adolescente,
enquanto em abrigos, ou no convívio com sua família biológica, representa
importante elemento de controle da prestação jurisdicional, e garantia de veracidade de informações trazidas aos autos pela polícia, pelo Conselho Tutelar, pela escola, pela equipe técnica multidisciplinar de atendimento, permitindo à Defensoria Pública recorrer à instância superior sempre que qualquer nova decisão seja desfavorável ao superior interesse de criança e adolescente ou que viole seus direitos e garantias constitucionais.
No percurso de cessação das violações dos direitos humanos e da dignidade
de pessoas humanas em peculiar condição de desenvolvimento, imperativas a resignificação da convivência familiar, a intervenção defensoral, não apenas como representante da parte, mas também na posição de custos vulnerabilis – mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas, sim, vulnerabilidade social, técnica, informacional e jurídica.